Penso
que, como todos de minha geração, nunca dei muita importância às
sombras. Tendo crescido na cidade grande, onde são fartos os artefatos
artificiais de iluminação, as variações de luz e trevas nunca foram para
mim, grandes objetos de preocupação. Entretanto, relacionamentos
recentes mostraram-me a importância de vigiar as sombras.
As
associações que luz e trevas têm com o comportamento humano são
evidentes e mais do que simplesmente metafóricas. Percebemos o mundo com
nossos sentidos, dos quais, a visão é o de maior alcance. Mas, a
qualidade da visão está diretamente associada à quantidade de luz que
percebemos, e como a percebemos. Não é a toa que a Bíblia adverte: “Os
olhos são a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu
corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu
corpo estará em trevas” (Mt 6.22 RA). Na paráfrase de Eugene Peterson,
“Se fecharem as cortinas dessas janelas (os olhos), sua vida será uma
escuridão” (Mt 6.23 MSG).
Vemos
aquilo que reflete luz. A luz tem a característica de expor, mostrar,
tornar conhecido, descortinar. Ao contrário, as trevas se comunicam com o
desconhecido, o escondido, o que está oculto. Por isso são tão
sedutoras. Elas trazem a sensação de ações veladas, que não estão sendo
vistas ou examinadas por ninguém e que, portanto, não precisam de
prestação de contas, não se submetem a críticas ou a pedidos de
explicação. E isso instiga nosso senso inerente de independência, de
liberdade, de ausência de submissão, o desejo de ser autossuficiente e
de não depender de nada e de ninguém, nem mesmo de Deus. Nesse
ambiente, floresce o mal, a maldade insone prospera, as forças ocultas
trabalham e lançam suas redes a procura de quem possam influenciar.
Por
isso é importante vigiar as sombras. Elas são o prenúncio da ausência
de luz. Elas surgem quando algo se põe à frente e dificulta a passagem
da luz. Lembre-se, as sombras não são o mal em si. Elas são um arauto,
apenas um batedor que espreita à frente de seu mestre. As sombras não
nos ocultam da visão de Deus, mas diminuem nossa própria visão de Deus.
As sombras representam um estado de espírito propenso ao mal. É o limiar
entre luz e escuridão. Uma encruzilhada que exige nossa atenção e uma
escolha.
Essa
situação é descrita em detalhes, na história de Caim e Abel. A Bíblia
não explica porque Deus se agradou do sacrifício de Abel e rejeitou o de
Caim. Fato é que ambos sabiam a vontade de Deus, e apenas Abel a
obedeceu, ofertando de forma justa ao Senhor. Por isso, a Bíblia diz a
seu respeito: “Pela fé, Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que
Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus
testemunho dos seus dons, e, por ela, depois de morto, ainda fala” (Hb
11.4 RC). Ao ver seu sacrifício rejeitado, Caim ficou furioso. Nas
palavras da Bíblia, “E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o seu
semblante” (Gn 4.5 RC). A sombra do mal se abateu sobre ele. Preciso
aqui chamar a atenção para o fato de que Deus não se encontra alheio ao
que se passa no coração do homem. Como ensina o escritor aos Hebreus,
“Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está
descoberto e exposto diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar
contas” (Hb4.13 NVI). Sabendo de tudo, o nosso Senhor não nos deixa sem
aviso sobre o mal. Ele exorta, insiste, alerta das mais inusitadas
maneiras para que possamos enxergar a escuridão. A verdade é que nunca
caímos nas trevas sem aviso.
Foi
assim com Caim. Deus vê a sombra no seu coração e lhe oferece uma
palavra de incentivo e conselho para restaurar a luz. O Senhor lhe
afirma que se ele fizesse o bem, seria igualmente aceito. E o adverte
que, entretanto, se não agisse direito, o pecado estava à sua espera,
pronto para atacá-lo. Infelizmente, Caim não deu ouvidos à advertência
de Deus, e a sombra que estava sobre ele transformou-se em escuridão
completa, resultando no primeiro homicídio na terra.
As
trevas impedem nossa visão de Deus. Cegam nossos sentidos para a
presença e os propósitos de Deus, os seus desejos e a sua vontade. Como
expressou Caim após sua sentença, quando em trevas, nosso instinto é nos
escondermos da face de Deus. Isso também é fácil de entender: a Bíblia
afirma que não existe comunhão entre a luz e as trevas (2Co 6.14 RC), e
Deus é naturalmente luz e habita em luz inacessível (1Tm 6.16 RC).
O
Senhor, entretanto, não deseja que vivamos em trevas. Aliás, de acordo
com a Palavra de Deus, já fomos retirados desse lugar oculto há muito
tempo. A Bíblia afirma: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio
real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9
RC) e nos exorta dizendo que “noutro tempo, éreis trevas, mas agora,
sois luz no Senhor; andai como filhos da luz” (Ef 5.8 RC).
Sabendo
do efeito devastador das trevas, decidi, nesse tempo de resoluções,
vigiar atentamente as sombras na minha vida, para impedir que cresçam e
se desenvolvam em escuridão. Eu desejo que minhas ações possam em tudo,
refletir a luz do Senhor. Espero que você tenha esse mesmo desejo, e que
Deus possa nos orientar a todos, abrindo nossos olhos quando as névoas
da vida se abaterem sobre nós, para que possamos percebê-las e sairmos
das sombras para a luz. Tenho a certeza de que Deus, sendo o Pai das
luzes, não cessará de manter aceso o nosso brilho em boas dádivas e em
dons perfeitos (Tg 1.7 RC), afinal, Ele é o único que efetivamente
transforma nossas trevas em luz (Sl 18.28 NVI).
Gleidson
G. Izidório é bacharel em Direito pela UFMG, especialista em Direito do
Trabalho e
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